AS ANGÚSTIAS DO SR. TRINITY [A ESTÓRIA DE UM MIÚDO]



Évora, música e músicos
O espectáculo "Estórias de Um Miúdo", pelo projecto eborense 'As Angústias do Sr. Trinity', é de difícil descrição mas de muito fácil digestão.

O palco está decorado com vários objectos que nos remontam para a nossa infância, numa exposição desconcertante e curiosa onde se podem ver uma televisão analógica ligada sem sinal, sofás e cadeiras marcadas pelo tempo e muitos outros adereços de época. A ambiência e sonoridade gerais são muito agradáveis e servem de veículo perfeito para os textos, que estão muito bem escritos e valeriam só por si. A interpretação que lhes dá vida é verdadeiramente original e alterna entre voz masculina e voz feminina, sendo contextualizados com muitos sons ambiente ou de background, numa dinâmica viva e interessante que nos prende do princípio ao fim do espectáculo.

Embora não haja actuação cénica propriamente dita, há muita vida naquele palco! A vida de um miúdo, descrita numa dialéctica estimulante que combina perfeitamente a musicalidade da guitarra de Álvaro Lancinha e do piano de Nuno Páscoa com a voz cativante e sedutora de Maria Marrafa e a forma muito própria, cheia de intensidade e alma, de Hugo Coelho de se entregar em palco, sem que nenhum deles saia do seu lugar durante a duração do espectáculo, com excepção feita ao guitarrista, num ou noutro momento quando troca de instrumento.

Vale a pena ver e rever a actuação deste projecto original, ganhando, eventualmente, contornos diferentes consoante o espaço em que se apresentem.

São eborenses; músicos, actores, autores e encenador; bem-dispostos, arejados e descomprometidos; simples na sua postura em palco mas extremamente ricos na abordagem criativa. São originais na perspectiva cénica e interessantes no intuito da exploração dos sentidos, das memórias e das perspectivas de futuro num mundo instável, algo desordenado e em constante mutação.

Talvez seja importante termos o passado mais presente para melhor perspectivarmos o futuro. Não vejo mal nenhum nisso e é um prazer rever-me em tanto pormenor extraordinária e talentosamente apresentado naquele palco, naquela noite, naquele momento e num reviver de emoções e transformações de um miúdo que podia ter sido eu.

No mínimo, será, com certeza, uma hora bem passada. Recomendo vivamente!

Pedro Pinto. Triplicidades. 21/05/12.